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#003 — Presente de aniversário
A ideia era só mandar um livro de presente de aniversário e virou uma reflexão sobre quais histórias a gente inspira por aí
No final de abril, uma das minhas melhores amigas da faculdade completou trinta anos de vida e, como bom amigo que sou, fiz questão de mandar um presente para ela: um exemplar de Fortunato Poeira, livro da Anna Martino que saiu pela Cachalote em 2024.
A obra narra o funeral do tal do Fortunato, um trecheiro que viaja entre luas agrícolas em busca de trabalho e que, mesmo marcando a vida dos moradores dessas colônias, ninguém nunca soube muito sobre sua história. Só depois da morte súbita dessa figura é que descobrimos a verdade sobre quem era Fortunato e quais histórias sua partida pretende deixar na boca das pessoas que o conheceram em vida.

Não que a gente precise de um motivo para ler Anna Martino além de “ela é maravilhosa”, mas fiquei pensando no porquê de mandar logo esse livro de presente.
Quero dizer, aniversário de trinta anos… data importante… celebrar a vida e tal… e eu mando um livro sobre um cara que morreu?
Só que pensar Fortunato Poeira só como a história de um cara que morreu é um tanto limitante. É uma história que fala sobre muitas coisas.
Fala sobre o impacto que deixamos na vida das pessoas, e essa é uma reflexão que pode ter seu valor na cabeça de quem acabou de completar três décadas.
Já que estamos pensando em histórias que falam sobre o que deixamos para trás quando nosso tempo na Terra não é mais necessário, me permitam um ataque de oportunidade.
Filhos de janeiro, meu romance publicado de maneira independente em 2021, fala sobre essas temáticas também. No livro, a superpopulação causou uma nova ordem mundial em que um governo autoritário incentiva a morte voluntária da população como forma de controle.
É uma obra que fala, principalmente, sobre o quanto nos tornamos insensíveis com a morte quando ela é glorificada diariamente pela mídia e governos. Mas também fala, na figura de Jonas e Natanael, sobre o legado. São dois personagens que abordam “quais histórias vou deixar para trás?” ao longo da narrativa, e a percepção de que, na maioria das vezes, quem eles eram, quando vivos, depende muito de quem resolveu contar a história.

Ben Aldridge e Jim Parsons em Alerta de Spoiler. O livro é melhor que o filme, claro, mas vale a pena o filme também
Spoiler alert: the hero dies (Michael Ausiello. Atria Books, 2017) conta a história real da luta do marido do autor contra o câncer e, enquanto a adaptação cinematográfica lançada em 2022 higieniza o herói da história em alguns aspectos, o livro mostra quem ele foi de verdade. Com todas as falhas e vícios.
A trilogia As Crônicas de Artur (Bernard Cornwell, tradução de Alves Calado. Record, 2011) usa das diferentes versões do mito do Rei Artur para construir a sua própria sem dizer, com certeza, se ela está mais ou menos certa.
Impostora: Yellowface (R.F. Kuang, tradução de Younghui Qio. Intrínseca, 2024) tem uma protagonista que passa o tempo todo defendendo os méritos da sua própria história enquanto se afunda ainda mais na lama. A protagonista de Meu Eu do Futuro (My Old Ass, dir.: Megan Park, 2024) recebe uma visita de uma versão anos à frente para descobrir quais histórias ela precisa viver nos próximos anos e o impacto disso. Enquanto Lin-Manuel Miranda reconta quem foi Alexander Hamilton em uma história que viaja por entre pontos de vista e termina perguntando sobre quem conta a história.
Talvez aí esteja a lição por trás desse presente de aniversário, qual o melhor momento para pensar nas histórias que estamos contando — ou permitindo que sejam contadas — se não no momento em que completamos uma volta ao redor do sol?
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